Brites Anes de Santarém
A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Na presente crise pós-Concílio Vaticano II, muitos tem estabelecido um paralelismo entre a Paixão de Cristo e a Paixão da Igreja dado grau de aniquilação infligido pelo movimento revolucionário apóstata àqueles que guardam a verdadeira Fé católica. Será, pois, de esperar uma gloriosa Ressureição da Igreja católica. Talvez assim venha a ser, num futuro não muito longínquo, com o Triunfo do Imaculado Coração de Maria predito em Fátima e cuja esperança todos nós acalentamos.
Mas, à vista da actual situação da Igreja Católica, reduzida a um punhado de fiéis, empobrecida e perseguida não posso deixar de me questionar:
E se a Igreja não ressuscitar mas, em vez disso, nascer de novo? Não estará a Igreja actualmente no Presépio de Belém?
Há cerca de dois mil anos qual era o contexto religioso? Os líderes judaicos tinham reduzido o Judaísmo, em boa parte, a uma religião de fachada, baseada em ritos que já não ecoavam no coração daqueles que os executavam. O Judaísmo tornara-se uma religião normativa, de cariz social e os seus líderes tinham-se mundanizado, preocupando-se mais com a guarda do poder e do prestígio social do que em amar a Deus acima de todas as coisas, com todo o coração e com toda a alma. Efectivamente, o Judaísmo estava prestes a sublimar-se noutra religião- o Catolicismo. Eram os estertores finais de um sistema religioso decadente assente na Antiga Aliança que estava prestes a ser cancelada e substituída para sempre pela Nova e Eterna Aliança, estabelecida pela Crucificação do Salvador.
O próprio poder civil judaico representado por Herodes, era uma autoridade ilegítima.
Apesar das importantes dissemelhanças podemos estabelecer interessantes paralelismos com a situação actual. Uma das mais importantes diferenças com a actual situação é que o Judaísmo era, até à Nova Aliança, a verdadeira religião, fundada por Deus e esse era o sistema religioso vigente. Actualmente, porém, vigora uma impostura religiosa, uma contrafacção do Catolicismo, concebida pela maçonaria, uma seita revolucionária satânica que se oculta sob o disfarce do filantropismo. Esta é uma diferença essencial. A semelhança consiste na decadência da Igreja Conciliar, dos seus falsos ministros, em muitos aspectos comparável à decadência da religião judaica, à data do nascimento de Jesus. Estamos à beira de uma mudança no paradigma religioso, agora tal como há dois mil anos.
Meditemos, pois, naquela fria noite de Dezembro de há dois mil e vinte e dois anos atrás. Num sítio isolado em Belém, dentro de uma gruta, Maria e José adoravam o Menino. Maria adorava-O perfeitamente, como Ele próprio queria ser adorado. José adorava-O com todo o seu coração, com toda a sua alma e com todo o seu entendimento.
A alguns quilómetros de distância, no Templo de Jerusalém, continuava a render-se o ininterrupto culto da Antiga Aliança. Mas pela primeira vez Deus não estava apenas presente espiritualmente no Templo: tinha Encarnado e estava presente em Corpo, Alma e Divindade sob a forma de um frágil bebé recém-nascido. Era o Cordeiro de Deus que tinha nascido. Começava, nessa noite, a preparar-se a Nova e Eterna Aliança. Deus já não se satisfazia com o culto quase meramente exterior que lhe era rendido no Templo de Jerusalém. Alguns anos mais tarde, Jesus vai desferir duras invectivas contra esses ministros de Deus, reduzidos a “sepulcros caiados de branco”.
Pouquíssimas pessoas se aperceberam, naquela época, da eminente mudança no sistema religioso vigente. Tratava-se do cancelamento da Antiga Aliança e do estabelecimento de uma Nova Aliança, algo que ultrapassa largamente a dimensão daquilo a que estamos prestes a assistir: a queda da maior impostura religiosa de sempre e o renascimento milagroso da verdadeira Igreja fundada por Cristo- a Igreja Católica, Apostólica, Romana.
No entanto, insistamos nas semelhanças entre os dois contextos. Naquela época, algumas pessoas estudavam atentamente as profecias tentando descortinar o surgimento do Messias. Hoje em dia, algumas pessoas também se empenham em ler os sinais dos Tempos, à luz da Bíblia, do Magistério e das profecias dos santos católicos. Essas pessoas procuram saber quando virá o Anticristo, quando será o Triunfo do Imaculado Coração de Maria, quando regressará o Redentor. Procuram situar-se no contexto de Apocalipse. Na ausência de um Papa legítimo estamos condenados à divisão das opiniões e dos pontos de vista, em tudo o que a Igreja Católica deixou em aberto, no seu Magistério. Mas muitas pessoas se indagam e procuram já “Onde O puseram”, como dizia Pio XII, referindo-se aos tempos actuais. Sabem que Deus já não está realmente presente nas igrejas das paróquias, pois a Consagração que lá é feita não é válida. Essas pessoas lêem os sinais dos tempos e procuram o Menino.
No presépio de Belém vemos dois tipos de pessoas, além da Sagrada Família: os Pastores e os Reis Magos. Estes homens tiveram o privilégio de adorar a Deus face a face. Os Pastores eram homens muito simples, ali trazidos pelo anúncio dos Anjos. Como sempre, o Céu escolhe pessoas pouco importantes aos olhos do mundo para os maiores eventos. Hoje vemos também pessoas simples a serem trazidas pela boa inspiração dos seus Anjos da Guarda até à boa informação que ainda circula e essas pessoas são levadas a adorar o Menino, na verdadeira Missa, Tridentina e “non una cum” o falso “Papa” Francisco.
Vemos também pessoas mais intruídas, que estudam todo o tipo de Ciências, a perceberem que o mais importante é que o Menino está nalguma casa particular, nalguma cave ou nalgum sótão, num sítio pouco digno da Sua Realeza, à espera deles para ser adorado.
E ali, no Presépio de Belém, podemos ver prefigurados os dois cultos em simultâneo, da Antiga e da Nova Aliança: um culto natural simbolizado pelos presentes dos Reis Magos, consistindo em objectos nobres que agradam a Deus, como o ouro, o incenso e a mirra. Pois a religião judaica transformou-se no catolicismo, havendo uma continuidade, pela sobrenaturalização, entre os rituais antigos e os sacramentos católicos, como é bem evidente no Santo Sacrifício da Missa.
Também nós podemos oferecer a Deus o ouro, o insenso, as velas de cera de abelha, o azeite, os tecidos finos de linho habilmente bordados que sempre fizeram parte do culto divino nas igrejas católicas. Mas ali no Presépio de Belém há já outro tipo de culto, levado a cabo por “adoradores em espírito e em verdade”: um culto interior, através do qual se procura adorar o Menino mas sem se efectuarem os cultos prescritos, que decorriam, em simultâneo, no Templo de Jerusalém. Aqueles adoradores do Presépio adoram o Corpo, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, como nós fazemos na verdadeira Missa Tridentina “non una cum”, tão perseguida.
Sabemos que a Sagrada Família, tal como os Reis Magos, tiveram que fugir do falso Rei Herodes. Enquanto não houver um poder temporal legítimo que proteja a Igreja, esta está destinada a esconder-se.
De que é que Herodes tinha medo? Receava que o verdadeiro Rei dos Judeus o destronasse. Ele sabia que não merecia estar naquela posição. Era um Rei falso. A linhagem real culminava em José e Maria, descendentes do Rei David. O legítimo “Rei dos Judeus” era Jesus, acabava de nascer.
Alguns anos mais tarde, este epitáfio será afixado na cruz, a mando de uma autoridade romana legítima- Pilatos. Aqueles judeus que foram responsáveis pela Morte de Jesus, hão-de pedir a Pilatos que altere o epitáfio para “Diz-se Rei dos judeus”, mas Pilatos não aceitou alterar a inscrição. Parece que a verdade era insuportável para aqueles judeus maus e ardilosos.
A verdade ficou exposta publicamente durante a cruxificação. Mas, naquele contexto, tal como no Presépio, a verdade parecia inverossímel. E por isso apenas uma minoria aderiu a ela. Apenas aqueles que não receavam ser enxovalhados ao pé da cruz ou aqueles que acreditavam que num sítio humilde, rodeado por pouquíssimas pessoas, podia estar Deus.
Assim, parece-me que podemos ver actualmente a Igreja, Corpo Místico de Cristo, pequenina e indefesa, escondida numa gruta, com um pequeno grupo de adoradores ao redor de um Menino humildemente reclinado numa mangedoura. Mas José, protector da Igreja, terror dos demónios está lá e, mesmo tendo que fugir, protegerá o Menino da perseguição. Maria, A cheia de graça, também lá está e sabemos que Ela sozinha esmaga todas as heresias. Ela vai cuidar do Menino, alimentá-lo, fortalecê-lo e assim ela fará também à Igreja. Será o Triunfo do Seu Imaculado Coração. Talvez um dia, noutro ciclo da História, a Igreja volte a sofrer a Paixão do Senhor, como sofreu no Concílio Vaticano II. Para já, animemo-nos: a Igreja está no Presépio de Belém.